Grupo afirma trocar alimentação por luz
Médicos contestam teoria
da Folha Online
Ouvir falar de dietas e remédios milagrosos é frequente e normal. Um grupo pequeno de pessoas espalhadas pelo mundo, no entanto, tem feito barulho ao garantir que trocou a alimentação pela luz. Eles são seguidores da alimentação prânica, que significa captar a energia proveniente do sol, também conhecido como não-alimentação, e afirmam não precisar de comida para sobreviver.
Para viver da captação de luz solar, os adeptos da alimentação prânica -cujo número seria de cem no mundo- acreditam que a ingestão de alimentos se torna um “vício” que serve apenas para proporcionar prazer ao ser humano. Com isso, o corpo ficaria livre de toxinas.
Não há médicos ou nutricionistas entre eles, que se auto-intitulam metafísicos. Para profissionais consultados pela Folha Online, a simples exposição à luz não pode nutrir.
“É tão possível viver de luz quanto pegar um carro sem combustível e viajar com ele”, diz o oncologista Drauzio Varella. “Essas pessoas que dizem que ficam sem comer são mentirosas; lógico que elas comem.”
A filosofia da não-alimentação tem sido difundida no Brasil pela escritora Evelyn Levy Torrence, 39, que diz não se alimentar há quase dois anos. Junto do marido, o norte-americano Steve Torrence, Evelyn dá palestras sobre o assunto e garante que o corpo não precisa de comida porque é nutrido pela luz.
De acordo com a teoria, basta olhar para a luz e captar o prana, energia proveniente do sol. Recolhida pelos canais oculares, esta energia é transmitida para a glândula pituitária [responsável pela produção de hormônios]. A glândula, quando recebe a luz, entra em processo de vibração e ativa a pineal [responsável pela regulação dos ritmos biológicos]. “A pineal é a nossa maior antena. É ela que alimenta nosso corpo”, diz a escritora.
Para se iniciar na “doutrina”, segundo Evelyn, é preciso passar por um jejum de 21 dias. No final deste período, o “vício de comer” é eliminado, levando junto uma porção de toxinas e deixando o corpo mais “limpo” e sensível. “Não existe mais fome [depois do jejum]. Se uma pessoa que está sem alimentação coloca um biscoito na boca ou toma um suco, não é por fome, mas por puro prazer. Porque é gostoso, não por necessidade”, afirma Evelyn.
A escritora acredita que grande parte da energia fornecida pelos alimentos é gasta durante o processo de digestão. Como afirma não se alimentar, Evelyn diz que se sente muito mais disposta em relação ao período que comia normalmente. “Parece que sou ligada na tomada. Não paro um minuto. O fato de eu não comer não me deixou fraca nem indisposta.”
Teoria contestada
O endocrinologista e professor livre-docente da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) Marcello Bronstein condena a prática porque, segundo ele, não existe base científica para a não-alimentação. O médico lança um desafio: “Por que eles não ensinam a população subnutrida a não morrer de fome? Minha posição é que não existe base médica nem física nisso”.
A escritora Evelyn Levy Torrence rebate a afirmação do endocrinologista, dizendo que as pessoas miseráveis morrem porque não têm conhecimento do processo de captação da luz. “Se começarmos um trabalho hoje para ensinar quem não tem o que comer, vão chegar dois ou três endocrinologistas e dizer que somos loucos. Vão dizer que precisam de comida sim e darão uma migalha de pão. Eles são miseráveis e ignorantes, em quem vão acreditar?”, diz.
Anita Sachs, professora-titular de nutrição da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), diz que o alimento precisa existir porque, além de energia, oferece outros nutrientes ao organismo. “Só luz não fornece caloria. Isso é uma lenda”, afirma.
A nutricionista Miyoko Nakasato, do Incor (Instituto do Coração), também é adepta da mesma tese. “Os nutricionistas não são favoráveis a esse tipo de atitude. Não é possível manter a saúde quando se pára de comer. Tem que ter bom senso na alimentação.”
Fonte: Folha Uol