O Segredo das Traduções
Hoje em dia encontramo-nos perante um número considerável de diferentes traduções da Bíblia. Não devemos supor que tal diversidade seja desejável ou mesmo inocente, na medida em que o significado que qualquer texto comunica se vê influenciado por uma variedade de factores que a maior parte dos leitores ignora. Na verdade o método usado para a tradução da Bíblia revela não só a cosmovisão dos tradutores e editores, mas também o respeito e o valor que eles atribuem à Bíblia. Para além de questões morfológicas e sintacticas, o produto final de qualquer tradução reflectirá sempre o conceito que o tradutor tem do próprio texto bíblico, ou seja, a teologia do tradutor quanto à natureza da Bíblia influenciará o modo como ele manejará o texto e as liberdades que adoptará ou não ao traduzir as Escrituras.
Durante séculos, as traduções da Bíblia foram feitas sempre pelo método da correspondência formal, o qual podemos definir como a busca fiel do conteúdo semântico de cada vocábulo ou palavra no interior do campo morfológico ou sintactico, a fim de obter um vocábulo com idêntico conteúdo semântico (significado) na língua receptora.
Actualmente, porém, está em voga um novo método de tradução, chamado equivalência dinâmica, no qual o tradutor procura captar já não o conteúdo semântico de cada vocábulo, mas sim o da expressão global. Por outras palavras, o tradutor interpreta a ideia contida numa frase ou conjunto de frases para depois transmiti-la por outros vocábulos ou palavras para a língua receptora, procurando tornar essa ideia mais compreensível aos leitores. Verificamos, assim, que se toda a tradução implica forçosamente uma certa interpretação, o método da equivalência dinâmica faz da tradução exclusivamente uma interpretação.
O problema que se coloca com uma tradução que opta por este método é o facto, por exemplo, do tradutor em vez de permitir que as dificuldades ou ambiguidades do texto original permaneçam no texto da língua receptora, recorra à sua própria interpretação, sempre parcial ou tendenciosa e incompleta, a fim de eliminar tais dificuldades ou ambiguidades. Deste modo, o tradutor pode excluir outras opções legítimas de interpretação e, eventualmente, nalguns casos eliminar a correcta interpretação do texto original, em favor da sua própria teologia. Vemos assim que o produto final não é propriamente uma tradução, mas antes uma interpretação, um comentário ou síntese do original.
Nunca esqueçamos que o conteúdo semântico depende da sua expressão formal. Substituir uma palavra, ou vocábulo, por outra desvirtua ou falseia quase sempre a ideia original. O método apelidado de equivalência dinâmica não é apropriado para ser usado na Bíblia, na medida em que retira aos seus leitores a responsabilidade de interpretarem pessoalmente as Escrituras e de serem individualmente interpelados e ensinados pelo Espírito Santo, colocando a tarefa de interpretação da Palavra de Deus nas mãos de um grupo de eruditos, os tradutores e editores da Bíblia.
Dissemos no início que o produto final de qualquer tradução da Bíblia reflectirá também o conceito que o tradutor tem do próprio texto bíblico, ou seja, a teologia do tradutor quanto à natureza da Bíblia influenciará o modo como ele manejará o texto, e as liberdades que adoptará ou não ao traduzir as Escrituras.
Se analisarmos a história da teologia verificaremos que ao longo dos séculos vigorou sempre entre os cristãos o conceito de inspiração plenária da Bíblia, o que significa que a Bíblia é a Palavra de Deus, uma Auto-Revelação de Deus aos homens mediante a instrumentalidade de certos seres humanos escolhidos e inspirados pelo próprio Deus a fim de, no pleno uso das suas personalidades, experiências e intelectualidade, mas sob a direcção e inspiração do Espírito Santo, transmitirem aos homens a verdadeira Palavra e Revelação de Deus. Nesta inspiração Divina incluem-se as próprias palavras usadas pelos autores sagrados nos manuscritos originais.
Um tal conceito de inspiração plenária das Escrituras terá tremendas implicações práticas na tradução da Bíblia. Como já afirmámos anteriormente, o conteúdo semântico depende da sua expressão formal. Queremos com isto dizer, que os pensamentos são expressos através das palavras, pelo que se acreditamos que os pensamentos da Escritura foram inspirados pelo Espírito Santo, certamente que o mesmo Espírito guiou igualmente os autores sagrados na escolha das palavras mais apropriadas e exactas para a transmissão desses pensamentos vindos do próprio Deus. Pelo que todo o tradutor, ou grupo de tradutores, que creia na inspiração plenária das Escrituras só poderá, de forma coerente, adoptar o método da correspondência formal.
Chegamos agora à raiz do problema, à razão de ser de todas estas novas traduções que falseiam em parte e banalizam totalmente a Palavra de Deus: a teologia liberal!
Tal teologia não crê na inspiração plenária das Escrituras, considerando-as não como Palavra de Deus, mas sim como o testemunho da experiência religiosa que certas pessoas tiveram no passado no seu relacionamento com Deus e com Jesus. Deste modo, a Bíblia é fruto daquilo que essas pessoas acreditavam e pensavam e não a Auto-Revelação de Deus dada através delas pelo Espírito Santo.
Ora, se a Bíblia é apenas um relato da experiência religiosa de algumas pessoas com Deus, uma tradução moderna deverá legitimamente reflectir também a experiência dos homens de hoje no seu relacionamento com Deus. Este conceito da Bíblia, totalmente oposto ao conceito histórico de inspiração plenária das Escrituras que sempre predominou no seio do Cristianismo, explica as liberdades tomadas pelos novos tradutores para abandonarem, por exemplo, o uso de certos vocábulos que eles pretendem ser demasiado teológicos ou religiosos e controversos para o leitor moderno.
Em vez de transmitir os pensamentos inspirados, uma tradução de equivalência dinâmica acaba por se transformar numa paráfrase ou comentário do texto original, não transmitindo fielmente o conteúdo doutrinário desse texto.
A insistência na afirmação de que a mensagem da Bíblia deve ser comunicada às novas gerações numa linguagem moderna e acessível, à custa do léxico e da estrutura formal do texto original, revela ainda a convicção de que o texto original, e a sua fiel transmissão no idioma receptor, não pode comunicar fiel e verdadeiramente a mensagem da Bíblia aos leitores de hoje. Ou seja, deixou de se acreditar que Deus pode falar e fala de facto aos homens de todas as gerações por meio da Sua Palavra, inspirada aos Seus instrumentos humanos pelo Espírito Santo. As gerações modernas só têm direito ao comentário ou interpretação que é feita pelo tradutor o qual será sempre fruto da sua própria exegèse do texto original, inspirada na sua teologia pessoal. Concluímos, uma vez mais, que a postura de qualquer tradutor, ou grupo de tradutores da Bíblia, será sempre consequência da sua teologia e das suas pressuposições acerca da natureza do texto bíblico.
O que nos deixa perplexos é que alguns lideres religiosos, considerados como conservadores, não vejam esta realidade e continuem a apoiar e a disseminar nas suas igrejas traduções espúrias da Escritura, fundamentadas num conceito que se opõe à inspiração plenária da Bíblia!
Pastor Celestino Torres de Oliveira
TERÇA-FEIRA, 27 DE JANEIRO DE 2015
Publicada por I Igreja Baptista de Lisboa à(s) 05:07